1. Hoje a Igreja inicia o Tempo da Quaresma. Tempo de voltar para Deus. Tempo de reconhecer que, muitas vezes, erramos a mira e temos que reencontrar o alvo. O alvo é Deus, e os irmãos e as irmãs, suas imagens e semelhanças. Não há amor a Deus sem amor ao próximo. Não há conversão a Deus que não seja conversão aos irmãos mais fragilizados, retomada da fraternidade. Hoje, com a Celebração da Quarta-feira das Cinzas, iniciamos um tempo de Retiro, tempo para nos abrir aos apelos que vêm de Deus e aos apelos que vem de nossos irmãos em Cristo.
Quaresma é um período de preparação para a Páscoa. Papa Francisco lembrava, nesta manhã, que a Igreja, neste tempo quaresmal, nos convida a duas ações: ter uma consciência mais viva da obra redentora de Cristo e viver com mais empenho o próprio Batismo.
2. O Profeta Joel nos convida: “voltai a mim de todo coração. Voltai ao Senhor que é o vosso Deus, porque Ele é misericordioso e compassivo”. Voltar-se significa Converter-se. São Paulo reza: “reconciliai-vos com Deus”. É tempo de parar e deixar Deus atuar em nós. Deus se aproxima de nós e pergunta: quero viver em você, quero viver com você. Posso?
O Evangelho com o qual a Igreja abre sua preparação para a celebração da Páscoa nos ensina as três práticas fundamentais da Quaresma: a esmola (Mt 6,1-4), a oração (Mt 6,5-8) e o jejum (Mt 6,16-18). Essas três práticas são os três pilares da religião: definem a nossa relação com os outros (a esmola), com Deus (a oração) e com as coisas (o jejum). A nossa existência é estruturada por essas três relações fundamentais. Nelas realizamos o projeto de Deus para a nossa vida ou desmoronamos como a casa construída sobre a areia (cf. Mt 7,27). A prática destes exercícios quaresmais nos abre silenciosamente para o encontro com Aquele que é a plenitude da vida, com Aquele que é a luz e a vida de toda pessoa que vem a este mundo. Como recorda Dom Leonardo, Secretário da CNBB, “jejum é esvaziamento, uma expropriação, tentativa de deixar-nos atingir pela graça da liberdade com que Cristo nos presenteou. O jejum nos abre para receber a vida nova, vida de liberdade, de dignidade. Então, em vez de não comer, é preciso se alimentar da vida de Jesus – só esta vida: eis o jejum. A oração é a exposição de quem espera ser atingido pela misericórdia d’Aquele que nos amou primeiro e até o fim – é um mergulho no mistério de Deus. A esmola é o amor partilhado; é deixar-se tomar pela dinâmica da caridade; é sair de si mesmo; é deixar-se tocar pela presença do outro, especialmente do mais necessitado. E tudo isso no segredo: você não deve falar das coisas boas que faz. Deus Pai vê.
Preparemos, desde já, com o nosso jejum – a começar pelo Bispo -, a Solidária Coleta da CF, que será recolhida no Domingo de Ramos. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem privar-nos (jejuar) a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Devemos desconfiar da esmola que não custa e nem dói.
3. Durante a Quaresma – caminho de conversão -, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil promove a Campanha da Fraternidade, cuja finalidade é ajudar-nos a assumir a dimensão pessoal, comunitária e social da Quaresma. Neste ano, o tema é “Fraternidade e Tráfico Humano”. E o lema, da carta de São Paulo aos Gálatas: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou!” Sim, Foi para a liberdade que Cristo se entregou, padeceu, morreu e ressuscitou. Foi para a liberdade que Ele nos deu a vida.
O tráfico é uma grande violação da dignidade de filhos do Altíssimo. É roubar as pessoas de Cristo. O tráfico é um modo de negar Cristo e o que Ele fez por nós, por todos nós, entregando sua vida para que fôssemos seus filhos e suas filhas.
Atualmente a indústria mundial do tráfico de pessoas fatura 32 bilhões de dólares. As vítimas são cerca de 2 milhões e meio, sendo 30% delas crianças.
A CF contempla 4 aspectos do Tráfico humano: 1) Tráfico de pessoas para o trabalho escravo: trabalho forçado, sem dignidade, sem justa remuneração – a realidade do subemprego – sem carteira assinada; 2) tráfico de mulheres e de homens para a prostituição; 3) tráfico de crianças para adoção; 4) tráfico de órgãos para transplante. É a instrumentalização da vida para o exercício do poder de pessoas sobre outras pessoas. O tráfico viola a grandeza de filhos e filhas. A Igreja, nós não podemos admitir a mercantilização da vida. Vidas são exploradas, usadas, negociadas, ceifadas, eliminadas. Quem faz isso? A nossa sociedade, pessoas como nós – também elas criadas por amor e para amar – pessoas como nós fazem isso. Isto é crime! É uma vergonha. Cortamos pela metade uma existência. Assim, continuamos a violar Deus, assim pregamos Nosso Senhor na cruz! Pois, não foram os demônios que crucificaram Nosso Senhor! Somos nós com os nossos vícios e pecados; com as nossas barbáries.
Cabe a nós, batizados, dar oportunidades aos nossos adolescentes e aos nossos jovens a terem futuro digno, pois, infelizmente, a miséria e a pobreza de nossos filhos são exploradas. Uma sociedade desigual, com tráfico de pessoas, é sociedade doente, é sociedade muito doente. E, atenção!, precisamos cuidar: essa doença contagia: ficamos indiferentes. Nosso Papa está preocupado com a indiferença diante das desgraças que atingem tanta gente.
Os noticiários informam que pessoas desaparecem, são mortas para tirar órgãos. Jovens são encontrados sem fígado, sem coração, sem algum rim. Se nós temos uma indignidade de trabalho e de liberdade; se nós temos uma indignidade em relação ao exercício da sexualidade e do amor; se temos uma indignidade no exercício da paternidade e maternidade; aqui (no tráfico de órgãos) nós temos simplesmente o cerceamento de uma vida que foi criada para existir feliz, chegar à plenitude e que não vai chegar nunca porque lhe arrancaram os órgãos vitais.
Deus nos criou para sermos iguais e para, na convivência, aprender a conviver com a igualdade e não com a desigualdade. Nunca ninguém é mais do que outro! Não podemos nos acostumar com o que é errado, com o mal, com o pecado, com estruturas de vida contrárias ao projeto de Deus. Somos nós que, hoje, devemos construir o Reino de Deus. Devemos dar visibilidade ao que Jesus nos ensinou. Veja bem: a CF nos diz que Cristo precisa de nossa ajuda. Precisamos ajudar Cristo a libertar nossos irmãos e nossas irmãs. Cristo fez a sua parte. Agora, cabe a nós fazer a nossa.
Assim, precisamos nos articular para denunciar os abusos e precisamos nos unir para oferecer melhores condições de vida para nossa gente. Reafirmamos que a condição humana deve ser privilegiada na formulação de toda e qualquer atividade. Ofendendo a pessoa humana, Deus é ofendido. O grito do pobre chega a Deus.
Com esta CF, a Igreja: 1) diz NÃO a todo negócio com a vida humana; 2) clama: a vida humana não se torne dinheiro; 3) anuncia: a pessoa humana, cada pessoa humana é de Deus: Cristo nos conquistou. Somos Dele! 4) A Igreja exorta: olhemos para Ele. Ele, Jesus Cristo nos ensina a viver e a cuidar uns dos outros. Ele é o preço e o valor de cada pessoa humana.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.