Nesta Solenidade de São Francisco de Assis, ouvimos “Te bendigo, ó Pai”. Jesus está contente. Depois do luto por quem não acolhe a Palavra, existe a dança por quem a acolhe. Entre estes está São Francisco de Assis, com alma de criança. Escutou e fez a Palavra. Simples assim. Francisco escutou: “Vinde a mim”. Foi ao Senhor e sua vida mudou. Foi-se tornando irmão de todos, empenhou-se contra a violência, o ódio e a injustiça; foi promotor da paz e da vida boa para todos, sem discriminações ou exclusões. Contudo, várias vezes, entre dor e alegria, cantava e denunciava: “O Amor não é amado”. Francisco aprendeu de Jesus a ser um levantador de pessoas. Eis, hoje, nossa missão.
Nesta celebração do Translado dos restos mortais de Dom Frei Aloísio Cardeal Lorscheider, minha palavra, conforme pedido do Arcebispo de Aparecida, Dom Orlando, está voltada mais para seus dias derradeiros, dos quais pude tomar parte.
Desde setembro de 2007, quando da minha eleição para Ministro provincial dos Freis do RS, pude ter alguma proximidade existencial com Dom Aloísio. Assim, pelos vários encontros com Dom Aloísio (alguns bem rápidos), e as muitas visitas que lhe fazia, fui percebendo que precisava se ocupar com Alguém, que mais e mais ia sendo seu hóspede: o Homem das Dores.
Talvez por isso, não gostava de permanecer no Hospital. Ali era por demais perturbado pelo excessivo cuidado. Por isso, dizia-me, amava estar a sós e em casa. Quando no seu recolhimento, detinha-se, longamente, em contemplação. Na Casa Provincial, as Vésperas são rezadas às 7 da noite. Às 5:30 da tarde, Dom Aloísio adentrava a capela para privar com o seu Senhor. Viveu o calvário com nosso Senhor. Olhava longamente Jesus na Cruz, acolhendo o que seu lema episcopal dizia: “In Cruce salus et vita”: “Na cruz, a salvação e a vida”.
Dois movimentos, creio, pude vislumbrar e acompanhar em Dom Aloísio:
Primeiro: Mais e mais silenciava e, assim eu o intuía, ocupava-se com o Homem das dores. Dom Aloísio se imolava com Ele e n’Ele. Foi a Ele entregando a sua vida, carregada de tantas vidas: pessoas com quem e para quem tivera a graça de direcionar o seu viver, mormente os prediletos de Jesus e seus mais amados, os pobres e sofredores, que conhecia muito bem: de várias pessoas, conhecia nome, moradia, alegrias, injustiças e misérias, e até torturas padecidas. Os braços de Dom Aloísio estavam, como que, estendidos, e nestes, as muitas pessoas que conseguiu dignificar em seu ministério, cujos direitos, com valentia, sempre defendera, inclusive durante o regime militar. Tinha amor de predileção pelos pobres e excluídos, e coragem profética diante de injustiças e violações dos direitos humanos. Assim, em seu viver e, agora em seus dias últimos, oferecia-se por cada pessoa. Percebia, Dom Aloísio, que nada de si poderia reter. Toda a sua vida fora entrega. Neste singelo e maduro termo do seu viver, entregou, grato e com semblante sereno, ao Senhor, qual fruto de bom sabor, o que recebera de empréstimo do Altíssimo e bom Senhor. Como, aliás, aprendera do Seráfico Pai Francisco: “Nada de vós retenhais para vós, a fim de que totalmente vos receba aquele que totalmente se vos oferece”.
Segundo movimento: Dom Aloísio precisava, ainda, crescer para baixo. Parecia que queria nos ensinar isto: o Céu fica embaixo! Jesus desceu até o alto da Cruz. Dom Aloísio foi entendendo esse caminho. Quis, por isso, desfazer-se de tudo. Em sua vida, quando recebia honras, dizia: “De que adiantam estas honras? Isto não conta nada. É ferrugem!” Por isso, gostava de repetir: “Nada de honras: “Sou Frade Menor”. Tinha os olhos no Prêmio. Quando lhe perguntei onde queria ser enterrado, disse: “Daltro Filho é um bom lugar para um Frade menor ser enterrado”. Com isso tudo, parecia-me que, como Jesus e o Poverello de Assis, Dom Aloísio precisava desapropria-se, despir-se, para simplesmente ser “o que é diante de Deus, e nada mais”. E escolheu o anonimato do nosso Convento em Porto Alegre e, posteriormente, o cemitério deste Convento, ao lado de seus Confrades: aqui, onde iniciara sua vida de Frade menor, em seu ano de Noviciado.
Por fim, partilho alguns poucos fatos do seu dia-a-dia entre nós:
– Quando se ausentava da fraternidade pedia licença ao Guardião. Dizia: “Quem não aprende a obedecer também não sabe mandar”.
– Na época em que a sua saúde mais carecia de cuidados, nós lhe oferecemos uma cama hospitalar. Ele disse com veemência: “Vai contra a pobreza franciscana. Não quero!”
– Era serviçal, sabemos isso. Um exemplo: Na Casa provincial, no refeitório tomava iniciativa e ia pegar copos e talheres para os confrades, quando em falta.
– Era humano, amigo. Gostava de um copo de vinho, de “uma cervejinha” (como dizia), gostava de chocolate, sorvete, risoto e sopa; de um bom cafezinho e do chimarrão, que todas as manhãs tomava, com seu Guardião, Frei Jorge. Era de hábitos simples. Sabia se alegrar com estas coisas do dia-a-dia. No dia 10.12.2017, dia antes do AVC, pediu galinhada e sopa. Dom Aloísio gostava disto.
Daltro Filho RS. 04.10.208. Dom João Inácio Müller,
Bispo de Lorena SP.