Borobio em seu livro a celebração na Igreja faz um ótimo trabalho ao falar sobre a eucaristia na era dos mártires. Ele nos mostra que nos primeiros séculos os cristãos conhecem um tríplice momento evolutivo em relação a celebração eucarística (Cf BOROBIO p. 61):
1) A ceia que o próprio Jesus Cristo celebrou, durante um banquete situado entre dois ritos, preexistentes, mas transformados por Jesus – rito do pão e do cálice (raízes judaicas).
2) também vemos que na época apostólica ouve uma pequena evolução, reunindo esses dois ritos, situando-os no fim do banquete.
3) com o passar do tempo ocorre uma grande mudança transcendental: houve o abandono do banquete como suporte da celebração. Assim não se usa mais as mesas, com exceção a do presidente da celebração, já não se usa mais os termos neotestamentários “fração do pão” e “ceia do Senhor”; a oração de ação de graças, já unificada, se enriquece progressivamente e alcança uma excepcional importância, a ponto de dar o nome à celebração em seu conjunto. A partir do séc. II, a denominação empregada de modo mais generalizado é “eucaristia”.
As informações litúrgicas, que temos desta época foram fornecidas pelos Padres Apostólicos: a Didaché (70-90), Clemente Romano (96), Inácio de Antioquia (+130), Policarpo de Esmirna (+156). Entre os Padres apologistas é importante o testemunho do filósofo e mártir Justino (150):
No dia que se chama do Sol, celebra-se uma reunião de todos os que habitam nas cidades e nos campos. Nela se lêem, à medida que o tempo o permita, as Memórias dos Apóstolos ou os escritos dos profetas. Em seguida, quando o leitor termina, o presidente, em suas próprias palavras, faz uma exortação e um convite para que imitemos esses belos exemplos. Levantamo-nos seguidamente todos de uma vez e elevamos nossas preces; quando terminam, como já dissemos, oferecem-se pão, vinho e água e o presidente, segundo suas forças, também eleva a Deus suas preces e eucaristias e todo o povo aclama dizendo: Amém. Prosseguindo vem a distribuição e participação dos alimentos eucaristizados e o seu envio, por meio dos diáconos, aos ausentes. Os que tem bens e querem, cada um segundo sua livre determinação, dão o que bem lhe parece; e o que é recolhido é entregue ao presidente, que com ele socorre órfãos e viúvas, aos que, por enfermidades ou outras causas, estão necessitados, aos que estão nos cárceres, aos forasteiros de passagem. Em uma palavra, ele se constitui provedor dos quantos se acham em necessidade. Celebramos essa reunião no dia do Sol por ser o primeiro dia, no qual Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, bem como por ser o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dentre os mortos (Apologias 65 e 67)[1].
Como podemos observar a celebração eucarística neste período sofreu grandes mudanças, se afastou do seu quadro natural, o banquete, sem fugir da Tradição Apostólica. (Cf At 2,42)
Por fim a Eucaristia, como define a Didaqué, é reunião do dia do Senhor, onde só poderiam partir o pão após terem confessado seus pecados e reconciliado com seus inimigos, para que o sacrifício ofertado a Deus fosse puro e não profanado. A Eucaristia é mistério do Corpo do Senhor, dado em alimento sob as espécies eucarísticas, uma ação de graças por excelência.
Referência: BOROBIO, Dionisio. A Celebração na Igreja. Tradução: Adail U. Sobral. Vol I. Edições Loyola: São Paulo, 1990
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História da Liturgia – Introdução
[1] BOROBIO, Dionisio. A Celebração na Igreja. Tradução: Adail U. Sobral. Vol I. Edições Loyola: São Paulo, 1990 p. 61-62