Semana de Oração pela Unidade

PROMOVER A RESTAURAÇÃO DA UNIDADE

 

Depois de mais de cinquenta anos ainda ecoam os frutos do Espírito que brotaram no interior da Igreja Católica, aos vinte de novembro de 1964, quando Paulo VI, juntamente com os Padres Conciliares, aprovou o Decreto “Unitatis Redintegratio” sobre o ecumenismo. Este tema do ecumenismo foi um dos principais objetivos do Concílio Vaticano II. Por isso, ainda hoje, promovemos ações ecumênicas. De modo específico, podemos celebrar a cada ano a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, esta surge como um gesto concreto que suscita em nós esta comunhão fraterna em Cristo.

Por vezes, temos a impressão de que o ecumenismo é obra de uns poucos interessados, homens e mulheres que se engajam de alguma forma no movimento ecumênico. Entretanto, “a solicitude na restauração da união vale para toda a Igreja, tanto para os fiéis como para os pastores”[1]. Esta sensibilidade ecumênica deve permear nossa eclesiologia, Liturgia, compreensão sobre as Escrituras, enfim, devemos nos abrir ao diálogo como forma de vivenciar a própria fé. Deste modo, compreende-se que viver, promover e concretizar o ecumenismo é visibilizar a unidade querida por Deus. Assim, a “unidade dos cristãos é elevada à categoria de mistério e vocação escatológica, como desenvolvimento pleno da vida bastismal”[2].

Todo batizado é chamado a uma constante conversão, isto é, um retorno ao que é próprio da fé, particularmente as Escrituras, pois, “a Sagrada Escritura é um exímio instrumento na poderosa mão de Deus para a consecução daquela unidade que o Salvador oferece a todos os homens”[3]. A partir dos ensinamentos (palavras e gestos) de Nosso Senhor Jesus Cristo aproximamo-nos uns dos outros. Os cristãos “tanto melhor promoverão e até realizarão a união dos cristãos quanto mais se esforçarem por levar uma vida mais pura, de acordo com o Evangelho”[4]. Não há barreiras para aqueles que professam a fé em Jesus Cristo. Como afirma Paulo: “Ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade” (cf. Ef 2, 14-15). Ele nos trouxe a Boa Nova que motiva nossa comunhão com o Pai e entre nós, que pela fé comum somos irmãos – filhos no Filho (cf. Gl 3,26).

Cabe a cada cristão assumir seu compromisso diante de Deus e sua própria comunidade, de tal modo que não tema quaisquer aproximações que sejam promotoras da unidade. “Somente a vivência de nossa própria realidade eclesial nos habilita ao diálogo, à troca de experiências e à construção do sonho de que a comunhão, que já é real, torne-se um dia também plena”[5]. O ecumenismo não prejudica a vivência de fé, antes, como já mencionamos, exige uma conversão, favorecendo assim nossa aproximação com aquele ideal de Jesus Cristo, que se dirigindo ao Pai disse: “sejam um, como nós somos um” (Jo 17,22). Só poderemos viver este projeto de comunhão se nos abrirmos ao agir do Espírito Santo.

Por meio do Espírito que habita nos crentes e efetua esta admirável união dos cristãos[6], cada membro do Corpo de Cristo pode superar seus egoísmos, preconceitos, incertezas e medos. Seremos fortalecidos para fomentar a comunhão se fizermos tudo pelo amor, este é o mandamento que devemos viver (cf. Jo 15,12). “O amor, como fruto do Espírito, como estado de alma e de comunhão que subjaz e precede as relações de comunicação, é um campo de força transformador do mundo. […] O amor supera inimizades, estranheza recíproca, e indiferença. O amor, mais do que qualquer outra força conferida ao ser humano, fomenta a vida, o reviver e a renovação das condições existenciais.”[7]

O empenho ecumênico é exigente, pois, demanda “conversão do coração e santidade de vida”[8]. Por isto é fundamental a docilidade humana à ação do Espírito. A vocação ao ecumenismo poderá ser assimilada por todos os cristãos se dermos testemunho. De fato, o dom da unidade é próprio de todo batizado, este não é um apêndice da fé cristã. Nossas limitações humanas não podem pautar nossa fé, ao contrário, devemos deixar que o paradigma ecumênico torne-se realidade concretizada no cotidiano, afim de que, em Cristo,  sejamos todos um (cf. Jo 17, 21). Portanto, “ao admitir o pluralismo eclesial, abre-se o horizonte à comunhão edificada pela dinâmica da alteridade que compreende o respeito, o diálogo e a proximidade solidária, fruto da iniciativa da vontade de construir a verdadeira oikoumene[9].

Apesar dos inúmeros desafios antropológicos, culturais, históricos, que foram criando divisões no Corpo de Cristo, precisamos superar tais feridas. Sabemos que “a espécie humana, dada a sua construção cultural etnocêntrica, como também egocêntrica, tem dificuldade em aceitar a diferença. Por isso, o diálogo na diferença é extremamente exigente, pois é necessário abrir mão de posições pessoais para poder enriquecer-se com o potencial do outro e enriquecê-lo também”[10]. Por isso, é preciso confiança no Espírito, por Ele a obra ecumênica realiza-se em nós. Damos visibilidade à plenitude dos dons que dEle recebemos para que o Reino de Deus se estabeleça plenamente.

Nesta tensão escatológica, isto é, diante dos desafios históricos (divisões) e a unidade que já acontece, pois somos sustentados pelo vínculo do Espírito, certamente, precisamos compreender que “a unidade da Igreja não se baseia em obra humana, mas no fato de que Cristo, sendo a cabeça, se fez um com ela, seu Corpo. O ecumenismo não pode visar a uma simples fusão organizativa, que ficaria no nível jurídico. Por isso, o ecumenismo é um esforço de crescimento mútuo na Palavra de Deus, em confronto com os desafios do nosso tempo”[11]. Rumo à plenitude devemos promover iniciativas que estejam cada vez mais em conformidade com ideal da unidade que começa na nossa própria história.

Uma máxima que devemos trazer: “Ecumenismo não tem por meta produzir a unidade cristã. Isto é obra do Espírito Santo que chama e cria a fé. O objetivo do ecumenismo é bem mais modesto: Pretende fazer visível a unidade que ‘em Cristo’ já existe”[12]. Por isso, cada batizado deve ser corresponsável nesta obra da unidade. Devemos dar visibilidade àquilo que misteriosamente já ocorre, isto é, em Cristo já somos unidos numa só fé (cf. Ef 4,5), ainda que historicamente estejamos fragmentados. Contudo, “a unidade da herança evangélica comum exige um testemunho comum, o que muitas vezes significa a cooperação dos católicos, individualmente e em comunidade, com outros cristãos, em ações e associações, em âmbito nacional e internacional”[13].

Portanto, celebrar a cada ano a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (SOUC) é uma destas formas de sinalizar a atuação do Espírito que supera barreiras humanas e históricas, que impossibilitam a credibilidade do anúncio da Boa Nova. Essa iniciativa teve início em 1966 – tendo a parceria entre Constituição de Fé e Conselho Mundial das Igrejas (CMI) e o Pontifício Conselho pela Unidade dos Cristãos (PCPUC). Na ocasião, iniciaram a elaboração de um texto em conjunto que culminou, em 1968, na SOUC com o tema “Para o louvor da sua glória” (Ef 1,14)[14]. Cabe a nós não desanimarmos nesta obra de restauração da unidade dos cristãos, pois, somente deste modo poderemos superar as contradições que são escândalo para o mundo. E, assim, daremos autêntico testemunho de que somos todos membros da família de Deus (cf. Ef 2,19).

 

REFERÊNCIAS:

[1] Unitatis Redintegratio (UR), n. 5.

[2] MAÇANEIRO, Marcial. Eclesialidade, Eucaristia e ministérios. In: BIZON, José (org.), A Unidade na diversidade, 2004, p. 147.

[3] JOÃO PAULO II. Ut unum sint, n. 66.

[4] UR, n. 7.

[5] RODRIGUES, Rui LuizQual a relevância ecumênica da Sagrada Escritura?. In: MAÇANEIRO, Marcial. Teologia em Questões, 2014, p. 91.

[6] Cf. UR, n. 2.

[7] LIMA, Adriano. O Espírito de Deus. In: Revista Caminhos do diálogo – Ano 2, nº2, janeiro a julho de 2014, p. 121.

[8] UR, n. 8.

[9] GONÇALVES, Paulo S. Lopes. O sonho da unidade dos cristãos. In: BIZON, José (org.), A Unidade na diversidade, 2004, p. 220.

[10] BOEING, Antonio. Pluralismo religioso e diálogo na escola católica, 2014, p. 107.

[11] Guia Ecumênico (Estudos da CNBB, n.21). In: BIZON, José (org.). ECUMENISMO, 2004, p. 520.

[12] BRAKEMEIER, Gottfried. Preservando a unidade pelo vínculo do Espírito, 2004, p. 10

[13] Apostolicam actuositatem, n. 27.

[14] Cf. DRUBI, Rodrigo. Ecumenismo espiritual. In: BIZON, José (org.), A Unidade na diversidade, 2004, p.115-116.