Cidade do Vaticano (RV) – No nosso espaço Memória Histórica, 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a tratar na edição de hoje sobre a reforma litúrgica trazida pelo evento conciliar.
“O Concílio desloca o centro. De uma liturgia centralizada na pessoa do “sacerdote celebrante” para a assembleia do “povo sacerdotal””. Este foi um dos aspectos levantados pelo Padre Gerson Schmidt no programa passado, ao comentar o tema “Assembleia Litúrgica na Sacrosancrum Concilium”.
Neste nossos espaço, temos refletido sobre 10 aspectos da renovação litúrgica trazida com o Concílio Vaticano II. Na edição de hoje, o sacerdote incardinado na Arquidiocese de Porto Alegre nos fala sobre o tema “Povo sacerdotal que celebra¹”:
“A compreensão da Sacrosanctum Concilium não é de um povo qualquer que está na missa ou na liturgia apático, sem sentido, aéreo ou apenas como um mero espectador, que não entende nada do que está ali acontecendo. A visão da SC é de um povo sacerdotal, um povo que celebra em comunidade aquilo que de mais genuíno tem para celebrar: o mistério pascal em suas vidas.
O Concílio resgata a liturgia como ação do povo sacerdotal, numa feliz referência a Primeira Carta de São Pedro, que diz: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pd 2,9). Assim, o povo é convocado e congregado para a escuta da Palavra e a renovação da aliança com o Senhor, tão desejado por Deus ao Povo Eleito (cf. Dt 4,10; 10,4.9; Ex 19-24).
A resposta ao convite de Deus, que se traduz em adesão e participação, constitui a assembleia do povo sacerdotal. Jesus Cristo, o sumo sacerdote, reúne seu povo, a quem, pelo batismo, torna apto para participar de seu sacerdócio. “Fez do novo povo um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai”, conforme o livro do Apocalipse (cf. Ap 1,6; 5,9-10).
O Concílio desloca o centro celebrativo – não é o sacerdote o foco. Há uma descentralização eclesial, outrora acentuando demasiadamente o sacerdote que ofertava o sacrifício. De uma liturgia centralizada na pessoa do “sacerdote celebrante” (que na liturgia não é único que celebra) se volta agora a ação litúrgica para a assembleia do “povo sacerdotal”. Como diz na Sacrosanctum Concilium, número 33: “As orações dirigidas a Deus pelo sacerdote que preside à comunidade na pessoa de Cristo são rezadas em nome de todo o povo santo e de todos os que estão presentes” (SC 33). Já não se fala do “sacerdote que celebra” e dos fiéis que assistem. Não se usa mais o verbo assistir à Missa.
O verbo pós-conciliar é “participar”, “celebrar”. Todos os membros da assembleia devem estar envolvidos na ação celebrativa e pela ação celebrativa. “Para isso, a Igreja procura, solícita e cuidadosa, que os cristãos não assistam a este mistério de fé como estranhos ou espectadores mudos” (SC 48), como se estivessem num espetáculo ou num teatro, fora da ação celebrativa. Em vista da ação eminentemente eclesial, o Concílio declara: “É desejo ardente da mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação na celebração litúrgica que a própria natureza da liturgia exige e à qual o povo cristão, ‘raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido’ (1Pd 2,9), tem direito e obrigação, por força do batismo” (SC 14).
A liturgia, por um lado, é “obra de Cristo e da Igreja, seu corpo” (SC 7). Por outro lado, também é ação do “povo santo reunido e ordenado sob a direção dos bispos” (SC 26), portanto, orientado por um magistério eclesial que garanta a genuinidade e sacralidade do mistério eucarístico. Portanto, não está centrada a liturgia no sacerdote, mas na assembleia litúrgica, no povo, como sujeito da celebração”.
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[1] Reflexões inspiradas em Frei Faustino Paludo, OFMcap, Publicado na Revista Vida Pastoral em Maio-Junho de 2003 (24-27), intitulado “O povo celebrante: sujeito da celebração”.
Fonte: Rádio Vaticano