Na festa da Exaltação da Santa Cruz temos as duas faces do único evento: a Cruz e a Páscoa. A Cruz do Ressuscitado, com todas as suas chagas, e a ressurreição do Crucificado, com toda a sua luz. Sabemos: ‘A cruz sem a ressurreição é cega; e a ressurreição sem a cruz é vazia’.
Ouvimos, da Liturgia de hoje – Jo 3, 13-17: “Deus amou tanto”: eis a síntese da nossa fé. Somos cristãos porque cremos que Deus nos amou tanto e que nos ama tanto. A salvação é que Ele me ama. Em Jesus, o céu desce sobre a terra, para nos dar a Si mesmo. Deus é amor que desce no Filho em direção a todos. Ser filho é dom de amor.
“Deus, de fato, tanto amou o mundo”. Deus desde sempre ama o mundo, mesmo que o mundo o rejeita. O amor do Pai é gratuito e sem reserva. O Filho, que o conhece e nele vive, nos testemunha o amor na cruz. Este versículo nos apresenta o centro do Evangelho de João, que quer nos levar a confessar com admiração: “Nós reconhecemos e cremos no amor que Deus tem por nós”. De fato: “Deus é amor” (1Jo 4,16). Não sejamos indiferentes ao amor que Deus nos tem; não nos blindemos; não evitemos o dinamismo de Deus para conosco. É preciso escutar e escutar: ‘amou e ama tanto’. “Deus tanto amou”. É coisa de Deus e dos filhos e filhas de Deus. E penso que cada vez que uma criatura ‘ama tanto’, tanto de se entregar, de se acabar, de se sangrar todo, de se expirar, naquele momento, a pessoa está fazendo algo divino, e é gerada filha de Deus, encarnação do projeto de Deus. Nós, tantas vezes, queremos nos manter e preservar. No Céu entrarão os que souberam se dar, desapropriando-se de tudo, de si, do nome, da força, da visibilidade, do status, do poder. Jesus ensina com o grão de trigo que cai na terra e morre. Dali, vida nova brotará.
Tanto amou o mundo. Deus amou tanto… são palavras-mantra, para serem repetidas, ao infinito, para deixar ecoar no coração. É refrão que contém o essencial. Deus amou tanto! Diga isso, escute isso, cada vez que a dúvida visitar o seu coração. Diga e escute; Deus amou tanto o mundo, Deus tanto me amou.
“Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito”: amar não é uma emoção. Amar implica dar, generosamente, ilogicamente: desenfreadamente dar. Dizia Meister Eckart: ‘E Deus não pode dar nada menos do que dar-Se, dar a Si mesmo’.
No Seu amor, o Pai envia o seu Filho. Por que o Pai envia o Filho? Não podia Ele vir e Se fazer carne Ele mesmo? Doou-nos o Filho porque só nele, que ama como é amado, vemos a nossa identidade de filhos do Pai. Jesus, sendo Filho, viveu aquilo que também nós somos chamados a viver: a “filiação” e a consequente fraternidade. Ele nos ama com o mesmo amor que o Pai tem por Ele (1,29) e nos assegura que o Pai nos ama como a Ele (17,23), com um amor que existe antes da fundação do mundo (17,24).
“Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”. Nós, sempre que condenamos e excluímos somos pagãos e ainda não entendemos nada da cruz. Sempre que condenamos deslizamos para fora da história de Deus.
‘É necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a via eterna’. A salvação é acreditar em Jesus crucificado, o Filho do Homem elevado: ele é a Palavra, luz e vida tornada carne para nos mostrar o amor absoluto do Pai. Nele nos é dada a nossa identidade de filhos/as; nele nós somos aquilo que somos. Fora dele, somos aquilo que não somos, o nada de nós mesmos. Por isso, acolher a Ele, o Filho, é encontrar-se; rejeitá-lo é perder-se. Fazer nossa a Sua vida é receber e ter a vida eterna. A vida eterna, o dom que Deus faz a cada pessoa no Filho do Homem, é o Espírito, o amor entre Pai e Filho, a própria vida de Deus.
Contemplando o Crucificado somos “desvenenados” da mentira da serpente que nos tirou o conhecimento do Pai e nos fez fugir do Pai. Nele conhecemos a verdade de Deus e nossa: ele nos ama e nós conhecemos o amor que ele tem por nós. Voltando o olhar àquele que transpassamos (19,37), aos pés da cruz, descobrimos esta verdade que nos torna livres (8,32) e nascemos do alto. Como Eva, a noiva, nasce do lado de Adão que dorme, assim a humanidade nova, noiva de sangue do seu Senhor, nasce da ferida do amor do seu Deus.
O Crucificado é comparado à serpente de bronze erguida: nele vemos o mal que a serpente nos adquiriu, mas também o bem que Deus nos quer. Ele é de fato o cordeiro que carrega o mal do mundo (1,29), tornando-se Ele próprio maldição e pecado (Gl 3,13; 2Cor 5,21), para nos manifestar o seu amor incondicional. Vendo-O na cruz, não podemos mais duvidar dele.
O Santo Padre Francisco gosta de recordar que, quando olhamos para a Cruz, onde Jesus foi pregado, contemplamos o sinal do amor infinito de Deus por cada um de nós, contemplamos a raiz da nossa salvação.
“Daquela Cruz vem a misericórdia do Pai que abraça o mundo inteiro. Através da Cruz de Cristo, O mal foi vencido, a morte foi derrotada, a vida nos foi doada e a esperança restituída. A Cruz de Jesus é nossa única e verdadeira esperança!”
É por isso que a Igreja ‘exalta’ a Santa Cruz. É por isso que, nós, cristãos, nos abençoamos com o sinal da cruz”.
Abençoado dia. Abraço.