A liturgia deste último Domingo da Quaresma convida-nos a contemplar nosso Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade (dizendo que somos criados para participar da Sua divindade), fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor, a entrega da vida, da sua vida.
A primeira leitura apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala. O profeta é inteiramente modelado por Deus. O texto de Isaías nos assevera: apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus. Jesus, o “servo” sofredor que fez da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho que é verdadeiro e que conduz ao Pai.
A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo, Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e, assim, o serviço aos homens, até ao dom da vida. É o caminho para o céu. Somos convidados a encarnar os valores que marcaram a trajetória existencial de Cristo. Para nós, cristãos, Cristo é o modelo: servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom para todos. temos, pois, a iniludível obrigação de nos comportar como Cristo. Esse caminho não levará ao aniquilamento, mas a glória, a vida plena. É como o grão de trigo caido na terra: brotará. Os acontecimentos que, nesta semana, vamos celebrar garantem-nos que o caminho do dom da vida não é caminho de “perdedores” e fracassados: o caminho do dom da vida conduz ao sepulcro vazio da manhã de Páscoa, conduz a ressurreição, conduz a vida intima no seio do Pai.
No evangelho temos a mais linda moldura. E precisamos parar: olhar, contemplar, admirar e aprender, pois a vida exala, fala e se nos é comunicada desta moldura. Eis, pois, como ouvimos, o Evangelho nos convida a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus – esse amor que não guarda nada para si, mas que sefaz dom total.
Marcos apresenta Jesus como o Filho de Deus que aceita cumprir o projeto do Pai, mesmo quando esse projeto passa por um destino de cruz. Somos levados a concluir, ocmo o centurião romano que testemunha a paixão de Jesus: “na verdade, este homem era Filho de Deus” (Mc 15, 39) A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Jesus, conduzido pelo Espírito Santo, sabia que o Pai O chamava a missão de anunciar o Reino de Deus, um mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todas as pessoas. Ensinou, por usa palavra e por sua vida, que Deus é amor e que não exclui ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não devem ser marginalizados; não são amaldiçoados por Deus; ensinou que os pobres e os excluídos são os preferidos de Deus; convidou todos a ter coração disponível para acolher o “Reino”; e avisou, contudo, os “ricos” (os poderosos, os instalados, os que não querem mudança, como os fariseus, escribas e sacerdotes) de que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, o fechamento só podem conduzir a morte.
Por isso, prenderam Jesus, julgaram-no, condenaram-no e pregaram-no numa cruz. A morte de Jesus é a consequencia lógica do anúncio do “Reino”: daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço: a igualdade de todos perante Deus, que é Pai de todos. Os dirigentes da religião e do estado não queriam um deus assim. Mataram-no.
Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu as tentações, experimentou a angústica e o pavor diante da morte; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar e a rezar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir conosco “até o fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos cristãos.
Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo; Dia 26/03, nosso Pároco me enviou a seguinte mensagem, que cabe bem neste contexto: “UMa coisa é olhar para um crucifixo, e outra é olhar para um homem, uma mulher, uma criança doente, ou seja, os crucificados em sua doença: eles são a carne de Cristo” Papa Francisco.
Finalizando: Que esta semana seja “santa”… Reservemos momentos preciosos para a intimidade com o Senhor, participemos das Celebrações, visitemos uma pessoa que não pode vir as celebrações. Abençoada Semana da Paixão para todos.
Dom João Inácio Muller, Bispo de Lorena SP