O Papa, ao anunciar o Ano Santo, que é um Jubileu, teve como objetivo responder ao clamor de tantos sofridos neste mundo, que buscam misericórdia junto a Deus e à Igreja, e, bem por isso, renovar as comunidades eclesiais mediante o exercício concreto da misericórdia.
O Cardeal Dom Cláudio lembra: “Há milhões e milhões de pobres, excluídos, injustiçados, humilhados, sem teto, sem trabalho, sem terra, descartados, doentes, sofridos, em busca de ajuda, solidariedade, consolo e calor humano, bem como os arrependidos de seus pecados e crimes em busca de perdão e de encorajamento para saírem do mal. Neste sentido, e como resposta-solução, nosso Papa disse, mais de uma vez, que cada pessoa tem direito aos três ‘T’: terra, teto e trabalho”, direito defendido também pela ONU..
O que vários teólogos, hoje, quando falam de “Deus é compaixão”, dizem:
Hoje há um consenso: Jesus de Nazaré foi um homem, talvez o único, que viveu e comunicou uma experiência saudável de Deus, sem desfigurá-la com os medos, ambições e fantasmas que, que ordinariamente as religiões projetam sobre a divindade.
Jesus nunca fala de um Deus indiferente ou distante, esquecido de suas criaturas ou interessado com sua honra, sua glória ou seus direitos. No centro de sua experiência religiosa não nos encontramos com um Deus ‘legislador’, querendo governar o mundo por meio de leis, nem com um Deus ‘justiceiro’, irritado ou irado diante do pecado de seus filhos. Para Jesus, Deus é compaixão. ‘Entranhas’, diria Ele, ‘rahamim’. Esta é sua imagem preferida. A compaixão é o modo de ser de Deus, sua primeira reação diante de suas criaturas, sua maneira de ver a vida e de olhar as pessoas, o que move e dirige todo seu agir. Deus sente para com suas criaturas o que uma mãe sente para com o filho que leva em seu ventre. Deus nos leva em suas entranhas.
Jesus fala do Pai, do Pai que espera sempre aos perdidos, que ‘estando, ainda, longe’, ao ver a seu filho, se lhe ‘comovem as entranhas’, perde o controle, sai correndo, o abraça e o beija efusivamente como uma mãe, interrompe sua confissão para poupar-lhe mais humilhações e o restaura como filho.
Perguntemo-nos: Será esta a melhor metáfora de Deus: um pai comovido até suas entranhas, acolhendo a seus filhos perdidos e suplicando aos irmãos para acolhê-los com o mesmo carinho? Será Deus um pai que busca conduzir a história das pessoas para uma festa final, onde se celebre a vida e a libertação de tudo o que escraviza e degrada ao ser humano? Jesus fala de um banquete abundante, fala de música e de baile, de filhos perdidos que despertam a compaixão do pai, de irmãos convidados a acolher-se. Será este o segredo último da vida? Será isto o reino de Deus?
O povo de Deus, no tempo de Jesus, conhecia o que é dito no Levítico: “Sede santos porque eu, o Senhor, vosso Deus sou santo”. O povo devia imitar ao Deus Santo do Templo, um Deus que rejeita pagãos, pecadores e impuros, e abençoa a seu povo eleito, aos justos e aos puros. É a santidade de Deus entendida como ‘separação do impuro’ e do que não é santo. Consequência: gerava uma sociedade discriminatória e excludente.
Os observantes da Lei desfrutam da benção de Deus, enquanto que os pecadores são objeto de sua ira. Os varões pertencem a um nível superior de pureza sobre as mulheres, sempre suspeitas de impureza. Os sãos estão mais próximos de Deus do que os leprosos, os cegos, os mutilados ou eunucos: estes todos são excluídos do acesso ao Templo. Esta busca de santidade levantava fronteiras, gerava discriminações e despertava ressentimentos. Não promovia a comunhão, a fraternidade e a mútua acolhida.
Jesus logo o percebeu. Esta visão religiosa não respondia e não correspondia à sua experiência de um Deus compassivo. E com uma lucidez e uma audácia surpreendentes introduziu naquela sociedade uma alternativa, que tudo transformava: “Sede compassivos (misericordiosos) como vosso Pai é compassivo (misericordioso)” (Lc 6, 27-36).
É a compaixão e não sua santidade o princípio que deve inspirar a conduta humana. Jesus não nega a santidade de Deus, mas o que qualifica esta santidade não é a separação do impuro, a rejeição do não-santo. Deus é grande e santo, não porque rejeita e exclui aos pagãos, pecadores, doentes e impuros, mas porque ama a todos sem excluir a ninguém de sua compaixão. Por isto a misericórdia não é uma virtude para Jesus, mas a única maneira de ser como Deus é: o único modo de ver o mundo como Deus o vê; a única maneira de perceber as pessoas como Deus as percebe; a única forma de reagir diante do ser humano como Deus reage.
O Papa convoca todos nós a buscar a misericórdia e o perdão de Deus, mas, ao mesmo tempo, a praticar a misericórdia com os sofridos e os que não são capazes de viver por si. O modo de fazer isso é a conversão pastoral, Igreja em saída, a missão: Missa e missão. São dois pés que precisam andar em harmonia.
O modelo que nos é proposto qual é? Imediatamente, afirma o Papa Francisco: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai” (MV 1). São Paulo diz: “É em Cristo que habita, em forma corporal, toda a plenitude da divindade” (Cl 2, 9). A misericórdia do Pai se mostra na vida toda de Jesus. Toda a vida Dele é o rosto do Pai. E não é algo estático, mas dinâmico! A misericórdia do Pai é ação diante das situações, é ir, é ir ao encontro. Notemos que os pés de Jesus vão sempre mais ao encontro dos que estão vulneráveis e fragilizados. Eis, e estejamos atentos, o ‘rosto’, que devemos olhar e dele aprender e fazer o mesmo, é a vida toda do Senhor Jesus: seu comportamento, suas atitudes, sua pregação, seu modo de se relacionar com o Pai e com as pessoas. Aqui, é bom estar atentos: Jesus tem carinho especial pelos que estão, por algum motivo, à margem. Como Jesus, hoje nós.
São João XIII, na abertura do Concílio, indicava a senda a seguir: “Nos nossos dias, a Esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia que o da severidade” (MV 4).
O Jubileu exorta-nos a esta abertura e obriga-nos a não transcurar o espírito que surgiu do Vaticano II, o do Samaritano, como recordou o Beato Paulo VI na conclusão do Concílio. Assim, atravessar hoje a Porta Santa compromete-nos a adotar a misericórdia do bom samaritano.
O Papa Francisco fala em variadas periferias existenciais, de situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo atual. E afirma que não podemos ser indiferentes! Precisamos cuidar destas feridas! “Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda.
As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da nossa presença, da amizade e fraternidade” (MV 15). E, assim, ele nos convida às Obras de misericórdia; recorda Mt 25, 31-45, práticas-espelho de nosso julgamento, pois “em cada ‘pequenino’ está presente o próprio Cristo”. Somos enviados a viver a missão de Jesus: “levar uma palavra e um gesto de consolação aos pobres, anunciar a libertação a quantos são prisioneiros das novas escravidões da sociedade contemporânea, devolver a vista a quem já não consegue ver porque vive curvado sobre si mesmo, e restituir dignidade àqueles que dela se viram privados” (MV 16).