Introdução ao livro do Gênesis

Na bíblia hebraica, o primeiro livro tem o nome de Bereshit (“no princípio”), palavra com a qual se inicia a obra. Para os gregos e para nós “Gênesis”, por causa de seu conteúdo, já que descreve a origem do mundo, do homem, do povo de Israel e do pecado. Gênesis traz em si uma revelação sobre os temas básicos das origens, que diz respeito a cada pessoa e a sua realidade como criatura.

Ao começar coma criação do mundo o autor responsável pela composição final faz subir audaciosamente a história da salvação até o momento primordial, “o princípio” de tudo”.

Gênesis ocupa um lugar importante entre todos os livros do Primeiro Testamento, pois   dele emerge uma doutrina sobre Deus, o homem e a história da salvação. A imagem que emerge de Deus nesse livro é de um Deus único, criador, transcendente, que traz tudo à existência com sua palavra, um Deus de todos os homens, dos patriarcas e do povo de Israel. A história da salvação descrita em Gênesis gira em torno de alguns temas importantes: a bênção; a promessa; a aliança; e eleição divina.

O Gênesis não é um mito, embora utilize expressões e referencias míticas, desmistificando-as.

O registro de Gênesis cobre pelo menos dois mil anos. Não é inteiramente história; é uma interpretação espiritual da História. Muitas origens são registradas nos 11 primeiros capítulos: o Universo natural, a vida humana, o pecado, a morte, a redenção, a civilização, as nações e as línguas. O restante do livro, a partir do capítulo 12, trata do começo da raça hebraica, primeiro sua formação por meio de Abraão, depois seu desenvolvimento subsequente e sua história mediante as figuras importantes de Isaque, Jacó e José.

O conteúdo do Gênesis, antes de serem escritas, foram narradas e ensinadas de forma oral de geração em geração.

Apesar de conter muitos elementos históricos, o Gênesis é uma obra essencialmente teológica que procurava responder aos problemas angustiantes colocados pelo acontecimento do Exílio (séc. VI): no meio das trevas, Deus é a luz do seu povo; no desespero do cativeiro, Deus há de renovar a Aliança feita depois da saída do Egito. Vale aqui lembrar que os livros bíblicos foram escritos em um período remoto, onde não se tinha quase nenhum conhecimento técnico científico como nós temos hoje…

Por detrás das “histórias” contadas pelos seus autores, o Gênesis contém os grandes temas teológicos, não somente do Pentateuco, mas da Bíblia em geral: a Aliança de Deus com a humanidade, o pecado do homem, a nova promessa de Aliança, a promessa da Terra Prometida, a bênção de Deus garantindo a perenidade do Povo, o monoteísmo javista.

“O Gênesis não foi redigido para escrever História, mas para dizer que Deus domina a História. Por isso, é essencialmente um livro de catequese e de teologia, mesmo nos 11 primeiros capítulos, em que não há preocupação histórica ou científica, no sentido atual. Por isso, a Pontifícia Comissão Bíblica, já em 16 de Janeiro de 1948, dizia, a este respeito: ‘Estas formas literárias não correspondem a nenhuma das nossas categorias clássicas e não podem ser julgadas à luz dos gêneros literários greco-latinos e modernos.’”

Os cristãos fizeram uma leitura cristológica dos grandes temas teológicos do Gênesis (Jo 1,1-3). Os grandes personagens do Gênesis – Adão, Eva, Noé, Abraão e os outros Patriarcas – aparecem frequentemente ao longo do Primeiro Testamento para lembrar aos crentes que há uma só História da Salvação. Por isso, o Apocalipse – o último livro da Bíblia – não se compreende sem o primeiro.

Estrutura

A estruturação mais tradicional do Gênesis distingue duas grandes partes: a história primitiva e a história patriarcal:

  • História das Origens (1,1-11,32)

    1,1-2,4a: Criação do universo e dos seus habitantes (segundo a tradição Sacerdotal: P).

    2,4b-3,24: Formação do homem e da mulher. Origem do pecado (tradição Javista: J).

    4,1-24: “História de dois irmãos”, Caim e Abel. Descendência do primeiro.

    4,25-5,32: Set e a sua descendência.

    6,1-9,17: Corrupção da humanidade e Dilúvio (anti-Criação).

    9,18-10,32: Re-criação, a partir de Noé, o homem novo. Lista de povos.

    11,1-9: Torre de Babel: a humanidade constrói uma sociedade sem Deus.

    11,10-32: Descendência de Sem até Abraão, promessa de um povo novo.

  • História dos Patriarcas (12,1-50,26)

    Ciclo de Abraão (12,1-23,20): vocação, emigração para Canaã e Egito. Nascimento de Isaac e Ismael. Morte de Abraão.

    Ciclo de Isaac (24,1-27,46).

    Ciclo de Jacob (28,1-36,43): já a partir de 25,19, Jacob começa a tornar-se a personagem principal, tanto em relação ao pai (Isaac), como em relação a seu irmão Esaú.

    Ciclo de José (37,1-50,26): o penúltimo dos filhos de Jacob, vendido como escravo para o Egito, faz a ligação histórica e teológica com o livro seguinte, o Êxodo. É um ciclo muito especial, também chamado História de José.

Este esquema histórico-literário apresenta-se como uma obra prima, não só a nível teológico, mas também na sua estrutura literária.

Também percebemos que a “História das Origens” (cap. 1-11) aparece como Prólogo histórico-teológico da História de Israel e da humanidade. ou seja, para alguns autores ela pretende ser o elo de ligação entre a Criação do mundo e Abraão, o pai do povo hebreu (cap. 12). Também vemos que o Egito, como lugar de escravidão do Povo, é lugar de peregrinação para Abraão, Jacob e José. Estes e outros elementos fazem a ligação deste livro com o Êxodo e com os outros livros seguintes.

Fontes e Gêneros literários

O povo hebreu vivia numa região onde se cruzavam muitos povos e civilizações, com isso houve um grande intercâmbio cultural entre eles, principalmente os impérios que dominaram a Mesopotâmia e o Egito, assim como as civilizações da Fenícia e de Canaã.

Alguns autores afirmam que podemos encontrar diversos elementos culturais destas culturas nos 11 primeiros capítulos.

Também encontramos uma linguagem mítica na composição do livro. Contudo sabemos que os autores do Gênesis combateram os mitos. Mas, para falar dos grandes problemas da humanidade, não deixaram de utilizar a linguagem e certos elementos mitológicos, como a criação do homem a partir do barro (2,7), a árvore da Vida e a árvore da ciência (2,9-10; 3,1-6), o mito da serpente (cap. 3). Todo este material foi colecionado muito lentamente. Primeiro surgiram pequenos conjuntos à volta de um santuário, de um acontecimento ou de uma personagem; podemos chamar-lhes tradições, e foram transmitidas oralmente, ao longo de muitos séculos. Quando aparece a escrita, essas tradições são fixadas em documentos. Com a queda do Reino do Norte (Samaria), em 722, essas tradições são trazidas para o Sul (Jerusalém). Finalmente, no período do Exílio (587-538), os redatores da escola Sacerdotal reúnem todas as grandes tradições e documentos existentes, imprimindo-lhes o seu próprio estilo e teologia. Podemos dizer que o Gênesis contém material recolhido entre os séculos XIII-V a. C.

 

Fonte:

A Bíblia: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2008. 

A Bíblia: A Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2011. 

Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 13 ed. Edições CNBB; Editora Canção Nova- São Paulo.

Bíblia Sagrada. Ave Maria, Edição de Estudo. 3 ed. Editora Ave Maria, São Paulo- 2012

BROWN, Raymond E; FRITZMYER, Joseph A; MURPHY, Roland E. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo, Antigo Testamento. Academia Cristã; Paulus – 2007

SELLIN, E; FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. Trad. D. Mateus Rocha – São Paulo: Academia Cristã: Paulus, 2007.