Homilia Quinta-Feira Santa – Missa Crisma 2018
Caros irmãos e irmãs!
No Cenáculo, na noite anterior à sua paixão, o Senhor Jesus rezou pelos discípulos reunidos ao seu redor, estendendo ao mesmo tempo o olhar para a comunidade dos discípulos de todos os séculos, para “aqueles que vão acreditar em Mim por meio da sua palavra” (Jo 17, 20). Na oração pelos discípulos de todos os tempos, o Senhor Jesus viu-nos também a nós e rezou por nós. Ouçamos o que pede para os Doze e para nós, aqui reunidos: “Pai, consagra-os na verdade. A tua palavra é a verdade. Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo. Eu consagro-Me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade” (Jo 17, 17s). O Senhor pede a nossa santificação, a santificação na verdade. E envia-nos para continuar a Sua própria missão. Jesus diz: “Eu consagro-Me por eles”. O que significa ‘Consagro-Me’? Porventura não é Jesus por natureza “o Santo de Deus”, como Pedro confessou na hora decisiva de Cafarnaum (cf. Jo 6, 69)? Como pode agora consagrar-Se, isto é, santificar-Se a Si mesmo?
Na Sagrada Escritura, as palavras ‘santo’ e ‘consagrar/santificar’, o que significam? Com a palavra ‘Santo, descreve-se em primeiro lugar a natureza do próprio Deus, o seu modo de ser muito particular, divino, que é próprio só d’Ele. Só Ele é o verdadeiro e autêntico Santo, no sentido originário. Qualquer outra santidade deriva d’Ele, é participação no Seu modo de ser. Ele é a Luz puríssima, a Verdade e o Bem sem mancha. Por isso, consagrar alguma coisa ou alguém significa dar tal coisa ou pessoa em propriedade a Deus, tirá-la do âmbito daquilo que é nosso e inseri-la na atmosfera d’Ele, de tal modo que deixe de pertencer às nossas coisas para ser totalmente de Deus. Consagração é, pois, tirar do mundo e entregar ao Deus vivo. A pessoa ou coisa deixa de pertencer a nós ou a si mesma, pois é imersa em Deus. Este ato de privar-se de uma coisa para entregá-la a Deus, chamamo-lo também ‘sacrifício’: já não será propriedade minha, mas d’Ele.
Na ordenação sacerdotal acontece a entrega da pessoa a Deus, isto é, a sua “santificação”, e, assim, se define também em que consiste o sacerdócio: sacerdócio é passagem de propriedade, um ‘ser tirado do mundo e dado a Deus’. E, com isto ficam agora evidentes as duas direções que fazem parte do processo da santificação/consagração: sair dos contextos da vida do mundo e “ser posto à parte” para Deus. O sacerdote é subtraído às ligações mundanas e dado a Deus, e precisamente assim, a partir de Deus, está disponível para os outros, para todos. Quando Jesus diz “Eu consagro-Me”, faz-Se simultaneamente sacerdote e vítima. Podemos, assim, traduzir a afirmação “Eu consagro-Me” por “Eu sacrifico-Me”.
O que acontece quando Jesus diz “Eu consagro-Me por eles”? É o ato sacerdotal em que Jesus Se entrega ao Pai por nós. É a expressão do fato que Ele é ao mesmo tempo sacerdote e vítima. Consagro-Me, sacrifico-Me. Nesta palavra se encerra todo o mistério da nossa redenção. E nela está contida também a origem do sacerdócio da Igreja.
Podemos, agora, compreender até ao fundo a oração que o Senhor apresentou ao Pai pelos discípulos, e por nós. “Consagra-os na verdade”: pede a integração dos apóstolos no sacerdócio de Jesus Cristo, a instituição do seu sacerdócio novo para a comunidade dos fiéis de todos os tempos. “Consagra-os na verdade”: esta é a verdadeira oração de consagração pelos apóstolos. O Senhor pede que o próprio Deus os atraia a Si, para dentro da sua santidade. Pede que Ele os subtraia a si mesmos e os tome como sua propriedade, a fim de que, a partir d’Ele, possam desempenhar o serviço sacerdotal pelo mundo. Nosso Senhor reza: “Consagra-os na verdade” – “a tua palavra é a verdade”. Os discípulos são atraídos para o íntimo de Deus por meio da sua imersão na palavra de Deus. A palavra de Deus é, por assim dizer, o banho que os purifica, o poder criador que os transforma no ser de Deus. Por isso, devemos ter o hábito de meditar a Palavra, permitindo que ela tenha morada em nós e que nós sejamos hóspedes da Palavra.
Caros Presbíteros, deixemos ecoar em nós: Somos verdadeiramente permeados pela palavra de Deus? Conhecemo-la verdadeiramente? Amamo-la? Meditamos a palavra de Deus de tal modo que dê volume à nossa vida e forma ao nosso pensamento? Nosso alimento é fazer o que a Palavra diz? Deixamo-nos purificar, em nosso íntimo, pela palavra de Deus? Sabemos nós aprender de Cristo a reta humildade, que corresponde à verdade do nosso ser, e aquela obediência que se submete à verdade, à vontade de Deus? Em nossa vida sacerdotal, somos a transparência da face de Cristo, como lembra São João Paulo II?
“Consagra-os na verdade. A tua palavra é a verdade”. Cristo é a Verdade. Ele é a Palavra viva de Deus. ‘Consagra-os na verdade’ quer dizer: “Pai, torna-os um só comigo. Une-os a Mim. Atrai-os para dentro de Mim”. Sim, pois há apenas um único sacerdote da Nova Aliança: o próprio Jesus Cristo. E, por conseguinte, o sacerdócio dos discípulos só pode ser participação no sacerdócio de Jesus. Portanto, o nosso ser sacerdotes nada mais é que um novo modo de unificação com Cristo. Esta, a unificação com Cristo, foi-nos substancialmente concedida para sempre no Sacramento. Cuidemos!, pois, exatamente isto pode tornar-se para nós um juízo de condenação, se, se a nossa vida não se desenvolve entrando na verdade do Sacramento. A tal propósito, as promessas que hoje renovamos dizem como a nossa vontade, empenho e esforço devem se orientar: “Queremos unir-nos e conformar-nos mais estreitamente ao Senhor Jesus, renunciando a nós mesmos”. Unir-se a Cristo supõe a renúncia. Comporta não querermos impor a nossa estrada e a nossa vontade; não desejar tornar-nos isto ou aquilo, mas abandonarmo-nos a Ele, como Ele quiser servir-Se de nós. Lembremo-nos de São Paulo: “Vivo, e contudo, já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (cf. Gl 2, 20). E Jesus: “Pai, não a minha vontade, mas a tua”. No “sim” da Ordenação Sacerdotal, fizemos esta renúncia fundamental a querer ser autônomos, à ‘autorrealização’. Cristo é, agora, o centro da nossa vida! O sacerdote tem e cultiva verdadeira familiaridade com Ele. Assim, poderemos experimentar, mesmo em meio a renúncias, a alegria crescente da amizade com Cristo. Se ousarmos perder-nos a nós mesmos pelo Senhor, experimentaremos como é verdadeira a Sua palavra.
Deste processo de sermos imersos na Verdade, em Cristo, faz parte intrínseca a oração, na qual nos exercitamos na amizade com Ele e aprendemos a conhecê-Lo: o seu modo de ser, de pensar, de sentir, de agir, de ser pastor. Tornando-nos um só com Cristo, aprenderemos a reconhecê-Lo nos irmãos do presbitério, nos doentes, nos pobres, nos pequenos deste mundo, irmãos e irmãs do Senhor.
Há pouco, ouvimos “O Espírito Santo está sobre Mim, porque Me ungiu e Me enviou…” (Lc 4, 18). Queridos sacerdotes, estas palavras referem-se a nós, de maneira direta. Com a ordenação presbiteral, fomos chamados a compartilhar a mesma missão de Cristo, e, hoje, renovamos, juntos, os comuns compromissos sacerdotais. Com viva emoção, fazemos memória do dom recebido de Cristo, que nos chamou a uma especial participação no seu Sacerdócio. O Espírito Santo, que pousou sobre cada um de nós, encontre a devida disponibilidade para cumprirmos a missão para a qual fomos “ungidos”, no dia da nossa Ordenação.
Estimados Padres, nesta hora da renovação de nossas promessas sacerdotais, peçamos ao Senhor que nos faça tornar homens de verdade, homens de amor, homens de Deus, consagrados na verdade. Peçamos-Lhe para nos atrair cada vez mais para dentro d’Ele, a fim de que nos tornemos verdadeiramente sacerdotes da Nova Aliança. Iniciemos, com estes sentimentos, o Tríduo pascal, ápice do Ano litúrgico. Disponhamo-nos a realizar a intensa peregrinação pascal seguindo os passos de Jesus que sofre, morre e ressurge. A exemplo de Nossa Senhora da Piedade, sigamos Cristo sacerdote e vítima, “que nos ama e com o Seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus, Seu Pai” (Ap 2, 5-6). Meditação, a partir da Palavra de Deus e de reflexões de nossos Papas. Deus os abençoe, com Feliz Páscoa!