Aparecida, uma chave de leitura para avaliarmos nossa Devoção Mariana

Ano Mariano

Aparecida, uma chave de leitura para avaliarmos nossa Devoção Mariana

Por determinação da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), estamos vivendo um ano especialmente dedicado a Virgem Maria. Tal evento acontece pelos 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do Rio Paraíba, e também dos 100 anos da primeira aparição em Fátima-Portugal.

Neste tempo, cada fiel é chamado a pensar e a refletir sobre a sua devoção à Virgem Maria, tendo em vista que este gesto de carinho para com a Mãe de Jesus, não se trata apenas de uma determinação institucional, mas de um gesto simples e bonito que o povo de Deus, através dos séculos, encontrou para responder ao mandato de Jesus no alto da Cruz. E assim, como o discípulo que Ele amava, acolher Maria – sua mãe – na casa de nossos corações, conforme lemos no relato da paixão escrito por João.

A Igreja sempre reconheceu na figura de Maria a sua própria imagem enquanto discípula, missionária e servidora da Palavra, gerada e acolhida por ela desde o anúncio do Arcanjo Gabriel. Dai podemos entender o carinho, a devoção e o amor que temos para com Nossa Senhora, presente em nossas casas e em nossos templos através de imagens, pinturas, etc.

Vale, porém, recordar que em momento algum a fé católica exalta a figura de Maria acima de Cristo, mas ao contrário, nossa doutrina compreende que ao reconhecermos as virtudes presentes na vida de Nossa Senhora nos deparamos com os méritos de Cristo. Maria tornou-se, por Graça especial de Deus, tudo aquilo que nela reconhecemos e dela temos tido conhecimento até os dias de hoje.

De fato, a verdadeira devoção a Nossa Senhora consiste, antes de qualquer coisa, na contemplação do silêncio, da beleza e da manifestação da graça presente em sua vida. Nas aparições e manifestações, a mesma Virgem que vivia em Nazaré se fez presente ao longo do tempo marcando fortemente a vida e a história do nosso povo.

Atento a isto, o Papa Francisco, no encontro com os bispos na Catedral do Rio de Janeiro, durante a Jornada Mundial da Juventude, propôs ao Episcopado Brasileiro, a seguinte reflexão:

Em Aparecida, Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe. Mas, em Aparecida, Deus deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição sobre a humildade que pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de Deus. Há algo de perene para aprender sobre Deus e sobre a Igreja, em Aparecida; um ensinamento, que nem a Igreja no Brasil nem o próprio Brasil devem esquecer.
No início do evento que é Aparecida, está a busca dos pescadores pobres. Tanta fome e poucos recursos. As pessoas sempre precisam de pão. Os homens partem sempre das suas carências, mesmo hoje.

Possuem um barco frágil, inadequado; têm redes decadentes, talvez mesmo danificadas, insuficientes.

Primeiro, há a labuta, talvez o cansaço, pela pesca, mas o resultado é escasso: um falimento, um insucesso. Apesar dos esforços, as redes estão vazias.

Depois, quando foi da vontade de Deus, comparece Ele mesmo no seu Mistério. As águas são profundas e, todavia, encerram sempre a possibilidade de Deus; e Ele chegou de surpresa, quem sabe quando já não o esperávamos. A paciência dos que esperam por Ele é sempre posta à prova. E Deus chegou de uma maneira nova, porque Deus é surpresa: uma imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio, envelhecida também pelo tempo. Deus entra sempre nas vestes da pequenez.

Veem então a imagem da Imaculada Conceição. Primeiro o corpo, depois a cabeça, em seguida a unificação de corpo e cabeça: a unidade. Aquilo que estava quebrado retoma a unidade. O Brasil colonial estava dividido pelo muro vergonhoso da escravatura. Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas depois unida, nas mãos dos pescadores.

Há aqui um ensinamento que Deus quer nos oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o início, Deus dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de compactação do que está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta lição: ser instrumento de reconciliação.

Os pescadores não desprezam o mistério encontrado no rio, embora seja um mistério que aparece incompleto. Não jogam fora os pedaços do mistério. Esperam a plenitude. E esta não demora a chegar. Há aqui algo de sabedoria que devemos aprender. Há pedaços de um mistério, como partes de um mosaico, que vamos encontrando. Nós queremos ver muito rápido a totalidade; Deus, pelo contrário, Se faz ver pouco a pouco. Também a Igreja deve aprender esta expectativa.

Depois, os pescadores trazem para casa o mistério. O povo simples tem sempre espaço para albergar o mistério. Talvez nós tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério a uma explicação racional; no povo, pelo contrário, o mistério entra pelo coração. Na casa dos pobres, Deus encontra sempre lugar.

Os pescadores agasalham: revestem o mistério da Virgem pescada, como se Ela tivesse frio e precisasse ser aquecida. Deus pede para ficar abrigado na parte mais quente de nós mesmos: o coração. Depois é Deus que irradia o calor de que precisamos, mas primeiro entra com o subterfúgio de quem mendiga. Os pescadores cobrem o mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé. Chamam os vizinhos para verem a beleza encontrada; eles se reúnem à volta dela; contam as suas penas em sua presença e lhe confiam as suas causas. Permitem assim que possam implementar-se as intenções de Deus: uma graça, depois a outra; uma graça que abre para outra; uma graça que prepara outra. Gradualmente Deus vai desdobrando a humildade misteriosa de sua força.

As palavras do Papa, devem nos ajudar a reconhecer a bondade e o cuidado de Deus revelado a nós, ao conceder-nos sua Mãe como nossa padroeira e intercessora. Sobretudo como um grande sinal de fé e esperança para o povo brasileiro, que ao visitar seu Santuário, contemplar sua imagem e rezar a ela, encontra força e consolo para prosseguir firme e confiante pelas estradas da vida.

Que este ano especial nos ajude, por meio da contemplação do mistério de Aparecida, a compreender a ação de Deus presente em nossa vida e nos faça mais íntimos dEle, a partir da nossa devoção à sua Santa Mãe. Vale recordar que a verdadeira devoção a Maria consiste em nos levar para mais perto de Jesus e nos fazer colaboradores da sua missão evangelizadora em favor do mundo, tão carente do seu amor.

Por fim, voltemos às palavras de Francisco. Ao refletir sobre a figura dos protagonistas da história do surgimento da imagem de Aparecida, ele enfatizou que:

Há muito para aprender nessa atitude dos pescadores. Uma Igreja que dá espaço ao mistério de Deus; uma Igreja que alberga de tal modo em si mesma esse mistério, que ele possa encantar as pessoas, atraí-las. Somente a beleza de Deus pode atrair. O caminho de Deus é o encanto que atrai. Deus faz-se levar para casa. Ele desperta no homem o desejo de guardá-lo em sua própria vida, na própria casa, em seu coração.

Deixemo-nos atrair, encantar e seduzir pela força e pelo mistério que preencheu o coração e a vida de Maria, e que assim, o Ano Mariano seja para todo povo brasileiro, a partir das nossas comunidades, uma oportunidade ímpar para renovarmos a nossa disposição em sermos, a exemplo de Maria, fiéis colaboradores da missão deixada por seu Filho e realizada pela Igreja, ao se colocar a serviço e comunicar o amor de Deus ao mundo através de suas palavras e ações.

Alegri@